sábado, 24 de dezembro de 2011

DORMIR

O sono se exercita, remexe e agita:
Importuna ao que sob a alma habita,
Desconsidera o que tem ao alcance,
O sono dos justos, católicos e amantes.

Em cada agir não sentimos sonolência:
O sonho nos agride tal qual a violência,
Que imprime ao raciocínio a confusão,
Que embota os sentidos e turva a visão.

Ao dormir aquilo que vivo o que sonho,
Sinto minha identidade fugaz e atônita.
E entre o que penso e o que me pareço,
Sobram as trepadeiras no muro espesso.

Quando, então, chega a hora de voltar,
Já não vejo mais corpo, tempo e lugar.
 
 
Eduardo Ribeiro

2 comentários:

  1. Eduardo, Fernando Pessoa tem alguns poemas que falam deste momento entre o sono e o sonho.Um deles:

    Sonho.
    Não Sei quem Sou Sonho.
    Não sei quem sou neste momento.

    Durmo sentindo-me. Na hora calma
    Meu pensamento esquece o pensamento,
    Minha alma não tem alma.

    Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
    Parece que erro. Sinto que não sei.
    Nada quero nem tenho nem recordo.
    Não tenho ser nem lei.

    Lapso da consciência entre ilusões,
    Fantasmas me limitam e me contêm.
    Dorme insciente de alheios corações,
    Coração de ninguém.

    Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

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  2. Não posso negar que junto com Baudelaire e Murilo Mendes compõem a trinca dos meus sonhos!

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